RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO
Os antigos maias construíram um sistema hidráulico sofisticado e
sustentável que foi sendo aperfeiçoado por mais de mil anos para servir a
uma população crescente. O colapso posterior dessa civilização da
América Central tende a ofuscar sucessos anteriores como esses.DE SÃO PAULO
Os detalhes desse sistema de coleta e armazenamento de água foram revelados por uma escavação arqueológica nas ruínas da antiga cidade de Tikal, na Guatemala, por uma equipe internacional de pesquisadores coordenados por Vernon Scarborough, da Universidade de Cincinnati, em Ohio, e descritos em artigo recente na revista científica "PNAS".
As descobertas incluem a maior represa antiga da área maia; a construção de uma barragem ensecadeira para fazer a dragagem do maior reservatório de água em Tikal, a presença de uma antiga nascente ligada ao início da colonização da região, em torno de 600 a.C., e o uso de filtragem por areia para limpar a água dos reservatórios. O sistema também tinha uma estação que desviava a água para os diferentes reservatórios de acordo com a estação e incluía um segmento de canal cortado na pedra.
Divulgação/Science | ||
Templo no reino de Tikal, um dos mais importantes do período clássico da civilização maia |
Com isso os maias, em torno do ano 700, podiam prover de água uma população estimada em 80.000 em Tikal. Há estimativas de que haveria 5 milhões de pessoas na região das planícies maias ao sul, uma população "uma ordem de grandeza da que é suportada na região hoje", escreveram Scarborough e colegas.
Durante uma sessão de escavação, mesmo na estação seca, a água ainda percolava em um dos locais de teste, e os trabalhadores locais preferiam tomar essa água em vez daquela disponível sua vila.
A área foi abandonada no final do século 9. Os motivos do colapso maia ainda são debatidos entre os pesquisadores.
"É um tópico muito difícil. Pode haver tantas explicações como existem arqueólogos trabalhando no campo. Minha visão pessoal é que o colapso envolveu diferentes fatores que convergiram de tal modo nessa sociedade altamente bem sucedida que agiram como uma 'perfeita tempestade'. Nenhum fator isolado nessa coleção poderia tê-los derrubado tão severamente", disse Scarborough à Folha.
"É importante lembrar que os mais não estão mortos. A população agrícola que permitiu à civilização florescer ainda é muito vital na América Central", diz ele; "o que entrou em colapso foi o seu nível de complexidade social.
Ele elenca entre as causas a mudança climática seca; "como eles eram muito dependentes dos reservatórios preenchidos pela chuva sazonal, vários anos de seca repetidos significariam desastre", diz o pesquisador. E justamente por serem inteligentes e criado um sistema hidráulico sofisticado, a população pode ter crescido muito além da capacidade do ambiente, dadas as limitações tecnológicas da civilização.
Além disso, diz o arqueólogo, é provável que a elite local não tomasse decisões sábias. "Aqui nos Estados Unidos parece que nós temos as três forças se repetindo-- e se nós no Ocidente tivermos um período de 1.500 anos de sobrevivência e sucesso como os maias, eu ficarei espantando", conclui Scarborough.