quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Civilização maia tinha método sustentável para gerenciar água

26/09/2012 - 16h00
RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Os antigos maias construíram um sistema hidráulico sofisticado e sustentável que foi sendo aperfeiçoado por mais de mil anos para servir a uma população crescente. O colapso posterior dessa civilização da América Central tende a ofuscar sucessos anteriores como esses.

Os detalhes desse sistema de coleta e armazenamento de água foram revelados por uma escavação arqueológica nas ruínas da antiga cidade de Tikal, na Guatemala, por uma equipe internacional de pesquisadores coordenados por Vernon Scarborough, da Universidade de Cincinnati, em Ohio, e descritos em artigo recente na revista científica "PNAS".

As descobertas incluem a maior represa antiga da área maia; a construção de uma barragem ensecadeira para fazer a dragagem do maior reservatório de água em Tikal, a presença de uma antiga nascente ligada ao início da colonização da região, em torno de 600 a.C., e o uso de filtragem por areia para limpar a água dos reservatórios. O sistema também tinha uma estação que desviava a água para os diferentes reservatórios de acordo com a estação e incluía um segmento de canal cortado na pedra.


Divulgação/Science
Templo no reino de Tikal, um dos mais importantes do perí­odo clássico da civilização maia
Templo no reino de Tikal, um dos mais importantes do perí­odo clássico da civilização maia
Também há evidências de reparos e ampliação do sistema, assim como plantio de vegetação para impedir a erosão do solo em torno dos reservatórios.

Com isso os maias, em torno do ano 700, podiam prover de água uma população estimada em 80.000 em Tikal. Há estimativas de que haveria 5 milhões de pessoas na região das planícies maias ao sul, uma população "uma ordem de grandeza da que é suportada na região hoje", escreveram Scarborough e colegas.

Durante uma sessão de escavação, mesmo na estação seca, a água ainda percolava em um dos locais de teste, e os trabalhadores locais preferiam tomar essa água em vez daquela disponível sua vila.
A área foi abandonada no final do século 9. Os motivos do colapso maia ainda são debatidos entre os pesquisadores.

"É um tópico muito difícil. Pode haver tantas explicações como existem arqueólogos trabalhando no campo. Minha visão pessoal é que o colapso envolveu diferentes fatores que convergiram de tal modo nessa sociedade altamente bem sucedida que agiram como uma 'perfeita tempestade'. Nenhum fator isolado nessa coleção poderia tê-los derrubado tão severamente", disse Scarborough à Folha.
"É importante lembrar que os mais não estão mortos. A população agrícola que permitiu à civilização florescer ainda é muito vital na América Central", diz ele; "o que entrou em colapso foi o seu nível de complexidade social.

Ele elenca entre as causas a mudança climática seca; "como eles eram muito dependentes dos reservatórios preenchidos pela chuva sazonal, vários anos de seca repetidos significariam desastre", diz o pesquisador. E justamente por serem inteligentes e criado um sistema hidráulico sofisticado, a população pode ter crescido muito além da capacidade do ambiente, dadas as limitações tecnológicas da civilização.

Além disso, diz o arqueólogo, é provável que a elite local não tomasse decisões sábias. "Aqui nos Estados Unidos parece que nós temos as três forças se repetindo-- e se nós no Ocidente tivermos um período de 1.500 anos de sobrevivência e sucesso como os maias, eu ficarei espantando", conclui Scarborough.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Análise: Feito ajuda a explicar imensa diversidade de células no corpo

05/09/2012 - 20h03
 
MARCELO NÓBREGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
 
Decifrar o genoma foi uma das etapas para entender como as instruções para a execução das funções biológicas são codificadas no DNA. Mas não explica como esse código funciona. Em uma percepção antiga, o genoma humano continha genes, que são trechos de DNA importantíssimos, e uma grande quantidade de DNA que não se tinha ideia de para que servia, achando-se mesmo que podia ser simples "DNA-lixo".

Ao sequenciar o genoma humano, pudemos fazer um apanhado global dos genes que estão presentes em cada uma das trilhões de células de uma pessoa. Mas, se cada uma dessas células tem o mesmo repertório de genes, como então uma se transforma num neurônio e outra em uma célula de pâncreas?
A resposta é que, apesar de cada célula conter todos os genes, só uma fração deles é usada em cada tipo celular. Por exemplo, apesar de todas as células do corpo terem o gene que codifica a produção de insulina, só no pâncreas esse gene é ativado, e só lá a insulina é produzida, dando assim identidade funcional a essas células, que as distinguem de outras. A regulação desse processo é coordenada por sequências de DNA que estão fora dos genes, na fração de 98% do genoma que não sabíamos para que serve. Entender isso era o objetivo do projeto Encode (só para deixar claro, eu faço parte da iniciativa). É bastante surpreendente que uma fração tão grande do genoma (80%) possa, ao que parece, ter função biológica.

O médico brasileiro MARCELO NÓBREGA é professor do Departamento de Genética Humana da Universidade de Chicago

Quase todo o genoma humano tem alguma função, diz pesquisa

05/09/2012 - 19h59

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"

Parece que a ciência finalmente está começando a abrir a caixa-preta do genoma. Um novo olhar sobre o conjunto do DNA humano indica que ao menos 80% de seus 3 bilhões de "letras" químicas têm alguma função. E sim, isso é surpreendente --porque, desde que o genoma humano foi soletrado pela primeira vez, há 12 anos, a impressão que ficou é que 95% dele era "DNA-lixo".

Tal tralha evolutiva não era mais usada pelo organismo para a suposta função primordial dos genes: servir de receita para a produção das proteínas que constroem o organismo (veja infográfico abaixo).
Agora, porém, um megaconsórcio de cientistas, o Encode, liderado pelo britânico Ewan Birney, diz que o "lixo" é uma ilusão.

Embora não estejam diretamente ligadas à produção de proteínas, quase todas as áreas do genoma teriam função reguladora ou serviriam de "molde" para a produção de vários tipos de RNA, outra molécula crucial para a vida. É possível pensar nesses elementos reguladores como uma série de botões de liga e desliga, que atuam sobre o mesmo gene ou sobre genes diferentes. Mas a coisa é ainda mais complicada. Isso porque eles não regulam apenas dois estados simples de "ligado" e "desligado". Podem fazer o mesmo gene produzir várias proteínas diferentes, por exemplo. Podem atuar um sobre o outro, potencializando ou diminuindo sua ação.

"Essas diferenças regulatórias talvez sejam as principais responsáveis por aspectos que tanto nos intrigam: existem sequências de DNA que nos fazem 'humanos'? Quais as alterações genéticas que diferenciam cada um de nós?", exemplifica Emmanuel Dias-Neto, biólogo molecular do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo.  "Todos esses aspectos, incluindo a patogênese de doenças complexas, que são a imensa maioria, são impactados por esses achados. E as doenças complexas são ainda mais complexas do que imaginávamos", diz ele.

Tom Whipps/Nature
À direita, os cientistas Ewan Birney, Tim Hubbard e Roderic Guigo com "dançarinas do DNA" em apresentação do estudo
Os cientistas Ewan Birney, Tim Hubbard e Roderic Guigo com "dançarinas do DNA" em apresentação do estudo  

Para Dias-Neto, os pesquisadores de hoje têm uma vantagem crucial para melhorar ainda mais essa análise: custo. Hoje, soletrar um genoma inteiro custa "só" US$ 1.000. A revista britânica "Nature", onde o grosso dos dados está saindo hoje, numa montanha de artigos científicos, fez questão de marcar o feito com pompa. Após a conferência em Londres na qual os resultados foram anunciados, houve até a apresentação de uma "dança do DNA".


Editoria de arte/folhapress

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Satélite mapeia nuvem de gás onde está o Sistema Solar

01/02/2012 - 07h00
RAFAEL GARCIA
Folha de Sao Paulo, DE WASHINGTON

Um observatório espacial que já deveria estar aposentado conseguiu colher informação suficiente para fazer o primeiro mapa da nuvem de gás interestelar onde o Sistema Solar se localiza.
As novas imagens, obtidas pelo satélite Ibex, sugerem que a composição química do lugar onde vivemos na galáxia tem algo de especial.

"O que nós estamos conseguindo enxergar é realmente matéria alienígena, aquela a partir da qual o Sol e tudo o mais se formou aqui na Via Láctea", disse David McComas, cientista-chefe do projeto, ao apresentar os dados ontem na sede da Nasa, em Washington.

O mapa que o cientista exibiu mostra o Sol localizado na borda da nuvem local de gás e apresenta com mais precisão seu movimento dentro da galáxia.


Editoria de arte/folhapress
BLINDAGEM INTERESTELAR Como é a estrutura que protege o Sistema Solar do atrito cósmico
BLINDAGEM INTERESTELAR Como é a estrutura que protege o Sistema Solar do atrito cósmico
À medida que o Sistema Solar trafega pela Via Láctea, partículas vão colidindo com a Terra e outros objetos próximos ao Sol, e essa é a única maneira de investigar o material que circunda nossa vizinhança planetária.

O Ibex é capaz de capturar essas partículas, porque tem um detector sensível a átomos eletricamente neutros. Acredita-se que a maior parte das partículas que residem no material interestelar tenham carga elétrica, mas elas acabam expulsas pelo vento solar --os prótons e elétrons livres emitidos pelo próprio Sol-- ou formando novos átomos neutros ao colidir com ele.

Em uma série de estudos publicados ontem na revista "Astrophysics Journal", os cientistas mostram como diferentes elementos químicos se distribuem na nossa região da galáxia. Uma descoberta particularmente interessante foi a de que o Sistema Solar possui mais átomos de oxigênio do que a nuvem que o abriga. Os cientistas concluíram isso ao comparar a proporção de oxigênio em relação ao gás neônio nas amostras obtidas.

"Isso significa, possivelmente, que o Sol nasceu dentro de um ambiente diferente daquele em que está agora", disse à Folha Priscila Frisch, astrofísica da Universidade de Chicago que coordenou um dos trabalhos publicados agora. "Na verdade, estimamos que o Sistema Solar só entrou nessa nuvem local de gás em que está agora uns 45 mil anos atrás, um tempo extremamente curto se você levar em conta que o Sol tem 4,5 bilhões de anos."

VELOCÍMETRO ALTERADO
 
Outra descoberta importante da Ibex apresentada pelos cientistas é que o Sistema Solar não está viajando pela galáxia a uma velocidade tão grande quanto se achava. Uma outra sonda que tentou fazer essa medida, a Ulysses, havia estimado que o Sol trafega pela galáxia a 95 mil km/h. A Ibex fez medidas mais precisas e concluiu que essa velocidade é na verdade de 84 mil km/h.

A correção não parece grande coisa, mas ela ajuda os cientistas a entenderem melhor como o vento solar interage com a matéria intergaláctica. Se a velocidade de deslocamento do Sol fosse de fato a estimada pela Ulysses, a pressão da matéria intergaláctica criaria mais "rasgos" nas lufadas de vento solar, fazendo com que 20% mais partículas carregadas --os nocivos raios cósmicos-- entrassem no Sistema Solar.

A quantidade relativamente baixa de raios cósmicos que atinge a Terra é, aliás, um dos motivos pelos quais a vida pode florescer aqui há 3,8 bilhões de anos. Segundo Seth Redfield, astrofísico independente que revisou os trabalhos mais recentes sobre a Ibex, diz que entender como o vento estelar interage com o material interestelar será fundamental para entender como é o ambiente planetário de outras estrelas.

"Nós já sabemos de pelo menos dois planetas fora do Sistema Solar que orbitam estrelas com astroesferas geradas por vento estelar", disse. "Se entendermos como funciona a heliosfera (a estrutura gerada pelo espalhamento de vento solar), podemos descobrir que talvez elas sejam um compontente importante para criar condições planetárias necessárias à vida. Pelo pouco que sabemos, astrosferas podem ter estruturas bastante diferentes da que temos aqui. É um verdadeiro zoológico."

Segundo os cientistas, é provável que a Ibex consiga continuar contribuindo para esses estudos. Apesar de o observatório espacial ter sido projetado para durar só de 2008 a 2010, engenheiros esperam que ele possa durar pelo menos mais uma década, agora que conseguiram colocá-lo em uma órbita estável.