quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Clima, Vida e o velho Darwinismo


Reproduzo aqui um debate travado alguns anos atrás (2005) com um antigo professor de mestrado, que coloca questões fundamentais para a compreensão do papel da vida na Terra e para a regulação climática.

Prezado Professor,

Veja um grafico que tirei do livro Biotic regulation of the environment. e modifiquei um pouco para audiencias nao especializadas (ppt, anexo). Este grafico mostra que, no sentido dos fluxos de carbono regulados pela vida, o mundo eh dos microbios (ponto final.). Mesmo quando se consideram as plantas, vale ressantar e citando a Lynn Margulis, que organismos multicelulares sao hibridos de microbios, ou seja, sao associacoes gigantescas de celulas cuja operacao basica nao difere muito daquela de organismos existentes na terra por bilhoes de anos, antes mesmo do primeiro dinossauro aparecer. Neste sentido, e no sentido de regulacao biotica do planeta, eh praticamente irrelevante a sorte dos grandes animais ou plantas, pois estes, como especies com esta ou aquela cor, este ou aquele mecanismo de reproducao, este ou aquele metabolismo secundario anti-herbivoria, participam de forma apenas acessoria na "regulacao" propriamente dita. Colocado sob esta perspectiva, volte a ler o sumario que enviei na primeira msg sobre a termodinamica da vida. A vida (e nao as especies) se mantem homeostaticamente, mesmo com o meteoro gigante no Yucatan, glaciacoes, george bushes ou o que mais venha. A vida acumula informacoes, jah que as celulas, mesmo as altamente modificadas e evoluidas que compoem nossos musculos (por exemplo), nao "esqueceram" como fermentar (corra o suficiente para elas ficarem sem oxigenio, e elas voltarao ao que fizeram por bilhoes de anos na terra antes de existir oxigenio livre na atmosfera, formando acido latico), as metanogenicas nao esqueceram como produzir metano, a fotossintese foi aprendida uma vez pelas ciano bacterias, e estah hoje disseminada em "todos" organismos verdes fotossintetizantes, nao consta que a vida perdeu ou esqueceu como fazer a fotossintese, mas sim aperfeiçoou. E para o aperfeiçoamento de processos metabolicos eh importantissima a selecao natural. As especies maiores, aquelas que impressionam nossas crianças em um zoologico, e que prendem tanto o pensamento neo-darwinista, tem um papel importante localmente, mas nao competem com a microbiota nos assuntos de regulacao climatica. As bacterias nao morrem, se dividem. Elas nao fazem sexo, mas trocam material genetico de modo frenetico, encontrando nas combinacoes resultantes novas solucoes para desafios ambientais com uma velocidade espantosa, algo que organismos multicelulares maiores, apesar da maior complexidade, sao incapazes de fazer. Elas sao verdadeiras centrais metabolicas, "microprocessadores bioquimicos vivos e adaptantes", com uma plasticidade inacreditavel. Recentemente li uma noticia sobre haverem encontrado um milhao de variedades de bacterias em um unico centimetro cubico de terra. Os microorganismos sao omnipresentes, estao nos ambientes mais extremos da terra, estao em "todos" ambientes, como estiveram ao longo de bilhoes de anos, e tambem chegam a compor 10% do nosso proprio peso! Ja pensaste nisso? Eh principalmente sobre estes seres fantasticos, mestres da manipulacao do ambiente que incorporam os principios termodinamicos que enunciei, que deviamos debater quando falamos de "regulacao" planetaria. Nao se trata de Gaia, ou nao gaia, muito menos trata-se de assumir ou refutar que os organismos "sabem" o que fazem, que tem um proposito. No meu entender, trata-se de tomarmos conhecimento dos fatos cientificos sem dogmatismos de qualquer especie, e deixar entao as evidencias falarem por si mesmas.

Newton estava certo sobre a mecanica classica, nao? No entanto os argumentos dele nao servem para justificar, apoiar ou refutar os fenomenos estudados pela mecanica quantica relativistica da atualidade. Isto porque a mecanica classica eh apenas uma manifestacao macroscopica "simplificada" de outros fenomenos de fundo, no amago da materia e da energia. O proprio Newton desenvolveu ferramental matematico revolucionario para explicar sua intuicao. Os grandes avancos na fisica deveram-se a "revolucoes" nos pensamentos, nas metricas e nos ferramentais. Similarmente, Darwin viu um fenomeno real, nao resta duvida, em relacao a importancia da selecao natural na evolucao de processos, organismos e sistemas naturais. Mas o atavismo dos seguidores neo-darwinistas que ainda persiste (espero que nao te incluas nesta comunidade parada no tempo) dificulta ou impede o desenvolvimento de novas compreensoes. Eh conhecida a influencia freadora de Eistein no desenvolvimento inicial da mecanica quantica (God does not play dice...), ele, o genio que havia introduzido a humanidade nas maravilhas da relativistica... Tambem eh conhecido o enorme atraso sofrido pela geologia quando os geologos classicos negaram a possibilidade dos continentes flutuarem e se deslocarem sobre o manto na Terra. A Lynn Margulis foi ridicularizada pelo pensamento neo-darwinista nos anos 60, quando lançou a hipotese de que organelas de celulas complexas, como os cloroplastos da fotossintese ou as mitocondrias da respiracao, eram na realidade "bacterias especializadas" que colonizaram outras celulas, e uma vez dentro estabeleceram relacoes de colaboracao, de simbiose, nao de exclusao competitiva, algo impensavel no pensamento neo-darwinista convencional. Nos anos 70 descobriu-se plasmidios (DNA) nas mitocondrias, provando o acerto da hipotese da Lynn Margulis. Hoje, os biologos do status quo que nao aceitam a teoria da simbiose estao como os poucos geologos classicos nos anos 80, que com todas as provas da geologia submarina ainda sustentavam nao haver deriva de continentes. Poderia continuar citando outros exemplos, mas o pano de fundo eh a necessidade de honestidade e abertura em relacao a novos conhecimentos, e nao a adocao de um ceticismo poperiano ultrapassado, incapaz de lidar com ou explicar sistemas complexos. Rigor cientifico, para qualquer pessoa disposta a encarar os fatos de forma objetiva, requer abertura a evidencias, e nao o aprisionamento em escolas de pensamento, que, como a propria teoria da evolucao explica, tendem ao imobilismo e a se agarrar de maneira persistente a suas proprias maximas (Thomas Kunn, a natureza das revolucoes cientificas).

No dia que meteorologistas lerem sobre biologia, e biologos fizerem o mesmo sobre meteorologia acho que nosso debate em relacao a regulacao biotica do clima vai progredir com muito maior vigor. Mas para que cheguemos neste estagio me parece fundamental que cada ciencia, em suas respectivas competencias, se desarmem das certezas e das explicacoes definitivas.

Como dizia Shakespeare em sua obra prima Hamlet: "tem mais coisas entre o ceu e a terra do que imagina nossa vaidosa filosofia"...

Abracos,
Antonio

PS.: Se pudesse sugerir leituras que estao na base da minha argumentacao, sugeriria primeiro estes dois livros:

O que eh Vida, Lynn Margulis e Dorion Sagan, Jorge Zahar editora, 316p (custa menos de 30 reais)
Biotic Regulation of the Environment, Gorshkov, Makarieva & Gorshkov, Springer-Praxis, 367p (custa por volta de 120 libras ) (dois destes autores sao fisicos nucleares que passaram 30 anos aprendendo sobre "outras" disciplinas)

Foram escritos para audiencias nao especializadas, e elaboram de maneira brilhante as ligacoes entre disciplinas. E, nao se preocupe Bruce, concordar com os autores nao vai requerer crença religiosa em Gaia. Apenas requer disposicao objetiva a averiguar os fatos, sob a luz da mais rigorosa logica.

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Professor escreveu:

Antonio, ja li a maioria dos livros que voce mencionou e apoio em grande parte com suas hipóteses. Nao discordo contigo sobre a existencia de homeostase mas sim da sua origem. Voce apresenta a vida com se fosse uma coisa consciente que controla sua proprio destino. Assim voce antropogeniza os sistemas naturais. Lovelock fez o mesmo na sua descrição de "gaia" e isto é uma das principais razões que o conceito ainda não é aceito por inteira pela maioria da comunidade cientifica. A maiorias dos organismos nem "buscam" nem "lutam" para manter o equilíbrio. Coexistem em ecossistemas estáveis por consequencia da evolução e da ação implacável da seleção natural. O oxigênio que temos na atmosfera hoje é de origem natural, produto da fotosintese de algas marinhas durante milhoes de anos. Para a maioria dos organismos hoje que dependem da oxigenio para respirar, esta otimo. Porém para a maioria dos organismos que existiram quando a fotsintese evoluiu, o oxigenio era extremamente toxico. Alguns destes organismos originais ainda existem hoje nas raras ambientes anóxicas que sobraram, porem a maioria morreram. Nào era uma questão de buscar ou lutar para manter um equilíbrio, mas sim da sobrevivencia dos organismos mais adaptados às novas condições de equilíbrio criados na presença de oxigenio. Nao creio que as coisas tem mudadas tanto desde 1984, nem desde o Darwin inventou a terioria de evolução. Nào é so uma questão de semantics mas de pricisao e rigor cientifica. Antes de propor o uso sistemas biologicas com modelos para processos climatologicos, temos que ser rigorsamente claro sobre as caracteristicas basicas destes sistemas. Concorda Antonio? Abracos, Professor
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----- Original Message ----- From: "Antonio Donato Nobre"
To: professor
Cc: comunidade de meteorologistas
Sent: Friday, September 02, 2005 3:37 PM
Subject: Re: Fw: Vida nos Modelos Climaticos

Caro Professor,

Voce cita uma prova no teu curso de modelagem no mestrado do INPA em 1984!!

Estamos em 2005 caro professor!

Gostaria de saber tua opiniao sobre os pensamentos nos livros que listei. Minhas afirmacoes sao baseadas no conhecimento sumarizado naqueles livros.


Abracos,
Antonio

P.S: depois gostaria de saber qual sua explicacao para a estabilidade climatica da Terra...

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Professor escreveu:

Antonio e demais colegas, ofereco alguns COMENTARIOS em baixo para ajudar na
evolução desta discussão. Me perdoam os erros de portugues. Um abraço,
Professor

----- Original Message ----- From: "Antonio Donato Nobre"
Subject: Vida nos Modelos Climaticos

Prezados Colegas do Primeiro Workshop de Modelagem Climatica e Ambiental (Manaus),

Gostaria de tomar alguns minutos do vosso tempo para apresentar uma linha de raciocinio que complementa e abre caminhos em relacao aa excelente discussao que tivemos em Manaus. Faltou eu apresentar um slide sobre aspectos termodinamicos ligados a vida com importancia vital na regulacao do clima na Terra:

Reflexoes termodinamicas sobre a vida

1) tudo que eh vivo "acumula informacao", que nao se perde, mas "evolue" e "se aperfeicoa"
NÃO NECESSARAMENTE. A MAIORIA DAS ESPECIES QUE EVOLUIREM DURANTE OS ULTIMOS 2-3 BILHOES DE ANOS É EXTINTA HOJE. PERDEU-SE NO PROCESSO UMA QUANTIDADE ENORME DE INFORMAÇÃO GENETICA. OS GENES (PACOTES DE INFORMAÇÃO) MAIS APTOS CONTINUAM CONSCO HOJE ( NA VISÃO DE DAWKINS) EM ASSOCIAÇÕES OPORTUNISTICAS QUE CHAMAMOS DE ESPÉCIES. NA MEDIDA QUE ALGUNS ESPECES E GENES ACABAM E NOVAS SURGEM A MASSA AGREGADA DE INFORMAÇÃO SE TRANSFORMA ENCOLHINDO OU
EXPANDENDO CONFORME A VARIAÇÃO NAS FORÇAS SELETIVAS. IMAGINAM A ENORME PERDA DE INFORMAÇÃO ORGANICA QUE OCORREU NO FINAL DA CRETACEOUS APOS O IMPACTO DAQUELE METEORO GIGANTE!


2) Organismos manipulam fluxos de materia e energia (informacao, mais do que tudo, determina os balancos entre absorcao, acumulacao e liberacao de substancias no ambiente)
ISTO É UMA QUESTÃO DE OVO E GALINHA. OS ORGANISMOS MANIPULAM OS FLUXOS DE MATERIA E ENERGIA OU SÃO DEPENDENTES E MANIPULADOS POR ELES? NO CURTO PRAZO MANIPULAM. NO PRAZO EVOLCIONARIO, SOBREVIVAM AQUELES CAPAZES DE MANIPULAR A MATERIA E ENERGIA NAS FORMAS EXISTENTES.

3) Processos organicos, organismos e ecossistemas sempre buscam "equilibrio" (tambem aqui, informacao eh usada na construcao de multiplos feedbacks negativos visando a estabilidade)
ISTO TAMBÉM É POLEMICA. (LEMBRA A PROVA FINAL, ANTONIO?) HA DIVERSAS MANEIRAS PARA OS ORGANISMOS INTERAGIREM COM SEU MEIO E ENTRE SES. POREM SOMENTE UMA PEQUENA FRACÇÃO DESTAS RELAÇÕES SÃO ESTÁVEIS A MÉDIO E LONGO PRAZO. A EVOLUCION E NAO OS ORGANISMOS SELECCIONOU AS RELAÇÓES QUE PERSISTIREM E AINDA EXISTEM HOJE.

4) a vida luta continuamente contra "desordem" (bomba anti-entropia
NÃO, A MAIORIA DOS SERES VIVOS É INCONSCIENTE. O DESORDEM TENDA A SER ELIMINADA, A ORDEM SELECTIONADA. A VIDA PARTICIPA E CONTROLA O QUE PODE MAS A SELEÇÃO NATURAL DEFINA A CONJUNTURA.

5) processos vivos sao "auto-regulados", a propriedade mais fundamental da vida, e essencial para se compreender a estabilidade climatica da Terra ao longo de bilhoes de anos!
OS PROCESSOS AUTOREGULADORES TENTEM A SOBREVIVER, SEJAM VIVOS OS ABIOTICOS. SE O HOMEM CONSIGA ENTENDER E REGULAR SEU PAPEL NO GEOSFERA EM TEMPO TAMBEM PODE SOBREVIVER. POREM PARA FAZER ISTO ELE TERA QUE ENFRENTAR O PRIMEIRO E MAIS CRUEL DOS LEIS DE DE NEWTON, A INERCIA (TANTO FÍSICA QUANTO CULTURAL-CIENTÍFICA)

Citando a Lin Margulis, "um fenomeno puramente fisico carece da capacidade de utilizar informacao acumulada em sistemas complexos para definir os cursos posteriores.." ou, em outras palavras:

" um tornado, que eh um sistema dissipativo com uma certa ordem abiotica em si proprio, nao para no meio da planicie, observando uma cadeia de montanhas no horizonte, e exclama: OPPS montanha adiante, mudemos o curso para continuarmos existindo...",

algo que, contudo, a vida faz "todo tempo, o tempo todo"...

Espero que com este pequeno adicional a gente continue aquele saudavel debate, e que os modeladores puramente fisicos continuem receptivos para a necessidade de incluir a termodinamica da vida nos modelos...

Abracos
Antonio Nobre
Escritorio Regional do INPA, INPE Sigma

Alguma literatura util para o tema
Gorshkov et al, Biotic Regulation of the Environment, Springer Praxis, 2000
Margulis & Sagan, O que eh Vida?
Margulis & Sagan, Simbiotic Planet
Margulis & Sagan, Microcosmos

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